O Sistema de Múltiplos Pilares
A divisão entre um regime de previdência público e um outro, de natureza privada acabou por se mostrar como um porto seguro para o acolhimento das demandas de proteção previdenciária dos trabalhadores. Esses dois modelos, organizados de forma associada, foram seguidos por grande parte dos países, no que se denominou de “sistema de múltiplos pilares” (ou multipillar system).
O primeiro pilar, em geral, possui natureza pública, compulsória e básica, tem a iniciativa do ente estatal, é custeado por regime de repartição simples e conta com limite máximo de prestações. O denominado segundo pilar possui natureza privada, podendo ser ou não compulsório, tem a iniciativa patronal, é custeado em regime de capitalização e conta também com limite máximo de prestações (superior ao limite do Primeiro Pilar e, no mais das vezes, tem como montante a ser suprido a própria remuneração do segurado, daí a denominação de complementar). O terceiro pilar possui natureza privada e não compulsória (em geral deriva de conta individual em sociedade seguradora), tem a iniciativa do próprio trabalhador que pretende ter renda mais elevada quando deixar de trabalhar, é custeado em regime de capitalização e não conta com limite máximo de prestações.
O Brasil estruturou um sistema de múltiplos pilares, sendo o Regime Geral de Previdência Social, o nosso primeiro pilar, operacionalizado através da autarquia federal Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O segundo pilar é composto pela previdência complementar fechada, cujas entidades, também denominadas fundos de pensão, somente poderão se constituir sob forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos, com planos voltados para empregados de uma determinada empresa ou grupo de empresas, ou para pessoas que possuam um vínculo associativo ou sindical. Já o terceiro pilar traduz-se na previdência complementar aberta, cujas entidades gestoras são constituídas sob a forma de sociedades anônimas (em geral sociedades seguradoras), cujos planos são acessíveis a quaisquer pessoas físicas.
O surgimento da Previdência Complementar no Brasil e evolução legislativa
O regime privado tem o intuito de ampliar a segurança e dar adequada proteção social ao trabalhador e sua família, mediante planos de renda e benefícios que permitirão a aproximação dos proventos de aposentadoria daqueles rendimentos auferidos na vida ativa do trabalhador.
As associações de Previdência Privada no Brasil surgiram do espirito de fraternidade entre trabalhadores e tinha como objetivo o apoio mútuo nas enfermidades, oferendo também um auxílio em caso de velhice ou outra circunstância que levasse a incapacidade para o trabalho.
Com o Decreto Imperial que criou o Montepio Geral de Economia dos Servidores do Estado-Mongeral, em 1835, nasceu a Previdência Privada no Brasil. Era uma associação voluntária extensiva a todos os empregados civis e militares de qualquer província do Império.
Desde sua gênese se reconhece a Previdência como todo e, in casu a Previdência Privada como parte integrante de um conjunto de questões mais amplas relacionadas ao mundo do trabalho. Esse modelo deriva do conceito de seguro social de Bismarck.
A criação da Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAP) do Banco do Brasil, ainda em 1904, pode ser entendida como um marco do sistema previdenciário complementar privado. Depois, vieram as fundações privadas e as sociedades civis sem fins lucrativos sedimentadas nas regras do Código Civil de 1916.
Entretanto, apesar da criação da previdência complementar, no caso brasileiro, ser secular, a sua regulamentação só ocorreu na década de 1970 - Lei 6.435/77-, quando da expansão das grandes empresas estatais e a criação de seus fundos de pensão. As transformações macroeconômicas – estabilização econômica, reestruturação produtiva, etc. - e da própria dinâmica social – inclusive, com fortes transformações na organização do mercado de trabalho e da previdência social - ocorridas no país na última década, houve a necessidade de atualização legislativa o que ocorreu com pode-se observar um aumento potencial do mercado.
Com a Constituição de 1988, avançou-se no tema, uma vez que restou contemplada a expressão “seguridade social”, que possui conceito mais alargado, integrando a saúde, a previdência e assistência social, prestações essas que trazem um conceito de inclusão e acolhimento comum. E, dez anos depois, fruto do amadurecimento do tema previdência pela sociedade brasileira, a Emenda no 20, de 1998, reviu as regras dispostas pelo Constituinte Originário, tanto para o Regime Geral de Previdência Social, como para os Regimes Próprios voltados para os servidores públicos. Essa Emenda também acabou por constitucionalizar o Regime de Previdência Complementar ou Privada, conforme a nova dicção dada ao art. 202 da Carta Federal.
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1 É considerado como marco inicial da Previdência Social Organizada a criação, na Alemanha, em 1883, por Otto Von Bismarck de um seguro obrigatório contra acidentes, doença e velhice custeado por contribuições dos empregados, empregadores e pelo Estado. Era obrigatória a filiação às sociedades seguradoras ou entidades de socorros mútuos de todo trabalhador que recebesse até 2000 marcos anuais.
A Constituição Federal estabeleceu que o desdobramento da matéria pela legislação infraconstitucional (art. 202, caput, in fine e §§ 4º, 5º e 6º) deverá dar-se por meio de leis complementares. Assim, duas são as normas a tratarem da previdência privada, a Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, que traz a regras gerais da previdência complementar, e a Lei Complementar nº 108, de 29 de maio de 2001, que traz as normas específicas aplicáveis às entidades e aos planos patrocinados por pessoas jurídicas de direito público.
As Entidades Fechadas de Previdência Complementar
A Entidade Fechada de Previdência Complementa - EFPC é, no Brasil, sinônimo de fundo de pensão e como dito alhures, passou a existir nos moldes atuais a partir da Lei nº 6435 de 1977, a qual classificava a natureza da entidades conforme a relação desta com seus participantes.
Assim, Entidades Fechadas são aquelas acessíveis exclusivamente aos empregados de uma empresa ou a um grupo de empresas, sendo estas patrocinadoras. Ou seja, desde a primeira fonte normativa de regulamentou o sistema, temos que a vinculação do participante as Entidades é baseada, de forma essencial, na natureza da relação existente entre o empregado e a empresa patrocinadora.
As EFPC podem ser qualificadas da seguinte forma:
I) De acordo com os planos de benefícios que administram:
a) de plano comum, quando administram plano ou conjunto de planos acessíveis ao universo de participantes; e
b) de multiplano, quando administram plano ou conjunto de planos para diversos grupos de participantes, com independência patrimonial.
II) De acordo com seus patrocinadores ou instituidores:
a) singulares, quando estiverem vinculadas a apenas um patrocinador ou instituidor; e
b) multipatrocinadas, quando congregarem mais de um patrocinador ou instituidor.
A criação de uma EFPC está condicionada a motivação do patrocinador ou instituidor em oferecer aos seus empregados ou associados planos de benefícios de natureza previdenciária, razão pela qual são acessíveis, exclusivamente:
I - aos servidores ou aos empregados dos patrocinadores; e
II - aos associados ou membros dos instituidores.
A segunda categoria de participantes acima descrita foi criada pela Lei Complementar nº 109, que estendeu a previdência complementar fechada aos trabalhadores vinculados a alguma entidade representativa, como os sindicatos, cooperativas, associações, órgãos de classe e outras entidades de caráter classista, profissional e setorial. Essa modalidade de acesso passou a ser denominada “Previdência Associativa”.
A inovação trazida pela Previdência Associativa, em relação aos planos já existentes, está no fato de ter nascido do próprio interesse das lideranças e dos trabalhadores organizados, com vistas a buscar melhores benefícios previdenciários.
Apesar de não existir a figura do patrocinador, que tem relevância de peso para o financiamento dos benefícios, o participante da previdência associativa pode contar com contribuições eventuais de terceiros para o custeio do plano, o que, todavia, não se caracteriza como obrigação típica da relação de patrocínio.
Números:
Total de Entidades Fechadas: 312
Entidades fechadas exclusivamente para planos instituídos: 5
Total de Planos Instituídos: 56
A competência da Justiça do Trabalho para ações relativas à previdência complementar fechada.
A competência para conhecer e julgar ações judiciais propostas por participantes ou assistidos em vinculados a entidades fechadas de previdência complementar deve ser da Justiça Especializada do Trabalho.
Tal conclusão se alcança com facilidade de analisarmos a origem da Previdência de forma geral e de forma mais detalhada a Previdência Complementar na sua modalidade fechada, de que são parte as Entidades Fechadas de Previdência Complementar.
A análise da legislação até aqui produzida, desde da Lei 6.435 de 1997 até as atuais Leis Complementares, não deixa dúvida de que se pretendeu criar mais um mecanismo de proteção ao trabalhador, além daqueles já previstos no Regime Geral.
Assim, ao se definir o que é uma Entidade Fechada de Previdência Complementar e, claramente, apontar com pressuposto para estar a ela filiado a vinculação pelo trabalho, deixa evidente que o intuito foi valorizá-lo como fonte de poupança e estabilidade financeira.
Cumpre destacar que com o advento da Constituição de 1988 e após a promulgação da emenda Constitucional nº 20, que conferiu nova redação ao artigo 202, foram lançadas a bases para uma nova legislação acerca do tema. Desse modo, foi publicada a Lei Complementar nº 109, novo marco regulador das relações de Previdência Complementar, trazendo em seu artigo 4º as especies de entidades e estabelecendo a matriz definidora dos sujeitos que podem se vincular à Entidades Fechadas de Previdência, no seu artigo 31:
Art. 4o As entidades de previdência complementar são classificadas em fechadas e abertas, conforme definido nesta Lei Complementar.
…
Art. 31. As entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamente:
I - aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados patrocinadores; e
II - aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, denominadas instituidores.
Da leitura da norma, fica claro que o acesso aos planos de benefícios das Entidades Fechadas é restrito a determinados grupos ou categorias de pessoas físicas, empregados de uma empresa ou grupo de empresas e a membros de categorias profissionais classistas e setoriais, sob o auspício das leis que regulam o sistema.
No que se refere a inciso II do supracitado artigo, o Órgão Regulador das Previdência Complementar, tratou de esclarecer e reafirmar quem poderia figurar com Instituidor e ao fazê-lo, mais uma vez, reforçou a necessidade de se atentar para o primado do trabalho.
Assim, a Resolução n.º 12 do Conselho Gestor de Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social, de 17.09.2002, no parágrafo único do art. 2º, estabelece que:
“Poderão ser Instituidores:
I – os conselhos profissionais e entidades de classe nos quais seja necessário o registro para o exercício da profissão;
II – os sindicatos, as centrais sindicais e as respectivas federações e confederações;
III – as cooperativas que congreguem membros de categorias ou classes de profissões regulamentadas;
IV – as associações profissionais, legalmente constituídas;
V – outras pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, não previstas nos incisos anteriores, desde que autorizadas pelo órgão fiscalizador.”
E não poderia ser de outra forma, uma vez que a proteção previdenciária estará sempre umbilicalmente vinculada ao labor vez que, como dito alhures, seu surgimento teve como intuito maior para garantir maior segurança do trabalhador diante dos riscos sociais a que está sujeito.
Diante do acima exposto, parece ser correto o direcionamento no sentido de que todas as demandas contra Entidades Fechadas de Previdência Complementar sejam julgada pela Justiça Especializada tendo em vista a vinculação do participante às referidas Entidades só pode ter decorrido de vinculo de emprego ou outros tipos de vínculos laborativos.
MARCELISE AZEVEDO
ALINO E ROBERTO ADVOGADOS