O resultado das contas públicas não é o único item sob administração do Tesouro Nacional a se beneficiar de operações atípicas. Também os balanços sobre o perfil da dívida pública mobiliária federal mostram bons resultados à custa de manobras no bastidor, mostra estudo elaborado pelo economista Felipe Salto, da consultoria Tendências. "Só não dá para falar que é maquiagem porque dá para a gente ver o que aconteceu", disse Salto.
Ele sustenta que, por trás dos números que mostram um endividamento de boa qualidade e bem comportado, está o Banco Central rolando a dívida pública (uma tarefa que seria do Tesouro). "A consequência disso é que estamos tendo uma despesa enorme de juros em troca de nada." Questionado, o Banco Central, presidido por Alexandre Tombini, informou que não comentaria o estudo.
Dizem os manuais de economia que dívida pública boa é aquela que tem prazos longos e cujos juros, além de baixos, são prefixados - ou seja, o governo sabe de antemão quanto vai pagar. O governo passou a perseguir esse perfil de dívida nos anos 1990, depois de muitos anos com a dívida fora de controle, rolada diariamente em com juros pós-fixados.
A dívida mobiliária interna brasileira caminhou na direção dessas boas práticas, de forma que os títulos pós-fixados, as Letras Financeiras do Tesouro (LFTs), corrigidos conforme a taxa de juros básica Selic, representavam apenas 22,56% do total em maio passado. A maior parte dos papéis tem correção mais favorável ao Tesouro: ou são prefixados ou corrigidos por índices de inflação. O prazo médio do estoque estava em 4,19 anos.
Correção. "O problema é que o mercado demanda papéis atrelados à Selic", disse o economista. "E o Banco Central vem suprindo." Ele disse que não tem como provar isso. "Mas há evidências."
A principal delas está nas chamadas operações compromissadas. Elas são realizadas pelo Banco Central para retirar o excesso de dinheiro em circulação na economia, que poderia alimentar a inflação. Para recolher o dinheiro, a autoridade monetária oferece aos bancos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional. E a preferência recai sobre as LFTs.
O volume de operações compromissadas aumentou nos últimos meses: representava 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2006 e hoje está em 15,7% do PIB. Nesse mesmo período, a dívida mobiliária federal caiu de 45,3% do PIB para 39,8% do PIB. "Não faz sentido", comentou o economista. "Não houve redução das necessidades de financiamento para a dívida ter caído." Em outras palavras: se o governo ampliou os gastos e, se a arrecadação ficou abaixo do previsto nos últimos meses, era para a dívida ter aumentado, e não caído.
Por isso, ele acredita que parte do endividamento está sendo rolado pelo Banco Central, pelas operações compromissadas. Dessa forma, o governo vem captando dinheiro no mercado, mas a um custo mais elevado e a prazos mais curtos. Ou seja, justo o contrário do que são os objetivos da administração da dívida. "Claramente, o BC está substituindo o Tesouro na tarefa de rolagem da dívida pública mobiliária federal."
Na avaliação do economista, esse desarranjo tem uma origem clara: a recusa do governo em promover uma política fiscal com credibilidade no mercado. O conjunto de receitas e despesas forma, na visão dos agentes econômicos, uma combinação que não dá suporte à taxa de juros reais de 2% perseguida como meta pelo governo.
O superávit primário, que é o saldo das contas do governo sem contar as despesas com a dívida pública, não é nada mais do que uma expressão da possibilidade do governo de honrar seus compromissos financeiros. Nada convencido da solidez do resultado, o mercado exige juros mais altos para rolar a dívida pública.