O Novembro Negro traz à tona, mais uma vez, a urgência de enfrentar a herança de violência, exploração e desigualdade que marca a formação do Brasil. Após séculos de escravidão (mas também de rebeldia e resistência), o povo negro continua encarando as marcas profundas deixadas por um modelo de sociedade baseado no racismo, no machismo e na LGBTIfobia. No centro desse processo estão as mulheres negras, que historicamente sustentam o país com seu trabalho, suas vidas e suas lutas, enquanto continuam sendo as principais vítimas da exploração capitalista.
A história brasileira foi construída com o sangue e o suor de cerca de 4,8 milhões de africanos traficados à força para o país. Ainda que não existam números precisos sobre quantas eram mulheres, sabe-se que as negras foram submetidas ao trabalho pesado nas lavouras, à servidão doméstica nas Casas-Grandes, a torturas, estupros e à violenta negação da maternidade. Essa lógica não ficou no passado; ela é atualizada, modernizada e se reorganiza para continuar oprimindo.
Segundo dados do Dieese de 2023, 65% das trabalhadoras domésticas são mulheres negras, majoritariamente acima dos 40 anos e recebendo menos de um salário mínimo. O IBGE aponta que 6,8 milhões de lares brasileiros são chefiados por mulheres negras, muitas vezes na linha de frente da sobrevivência em condições extremamente adversas.
A violência também se expressa nas prisões, com 62% das mulheres encarceradas sendo negras. A maioria foi enquadrada pela Lei de Drogas, promulgada em 2006 pelo Governo Lula. Ao não diferenciar de forma clara usuárias e traficantes, a lei reforça a seletividade penal que recai, quase sempre, sobre a cor da pele. O resultado é um sistema prisional abarrotado de mulheres pobres, jovens, negras e com baixa escolaridade.
A face mais brutal da violência aparece nos índices de feminicídio. Segundo a Anistia Internacional, 62% das vítimas são mulheres negras. Entre as mulheres trans assassinadas no Brasil (país lidera o ranking mundial), a maioria também é negra. São elas que vivem nas áreas mais precárias, sem saneamento, com moradias improvisadas, submetidas aos piores salários e aos postos de trabalho mais precarizados. São elas que enfrentam a falta de escolas e postos de saúde e são, diariamente, alvo da violência do Estado.
Diante dessa realidade, o Novembro Negro não pode ser apenas uma data simbólica. É preciso afirmar que só haverá justiça quando o país assumir uma política real e consequente de reparação histórica. Reparação que garanta terra, moradia, trabalho digno, saúde, educação, proteção social e condições reais de vida. Reparação que confronte a estrutura racista, patriarcal e exploradora da sociedade brasileira, e não apenas administre seus efeitos.
As lutas de Dandara, Luiza Mahin, Tereza de Benguela e de tantas outras mulheres que jamais baixaram a cabeça seguem iluminando o caminho. Hoje, suas herdeiras continuam reivindicando direitos, justiça e dignidade. É papel dos sindicatos e de toda a classe trabalhadora fortalecer essa luta, porque não haverá transformação enquanto o povo negro continuar sendo o mais explorado, o mais violentado e o mais abandonado pelo Estado.