Mais um capítulo no inquérito civil aberto pelo Ministério Público Federal para apurar a retenção e apropriação, pela Caixa Econômica Federal, das poupanças de pessoas escravizadas do século 19. O MPF expediu nova intimação para que o banco apresente, em até 30 dias, um plano de identificação dessas cadernetas. A recomendação nº 19/2025, publicada em 17 de outubro, também fixou prazo de 180 dias para que a Caixa detalhe o conjunto dessas contas, com nomes dos titulares, registros e o destino dos valores (se foram sacados, retidos ou transferidos após a Abolição).
No dia 15 de agosto, o MPF já havia exigido que a Caixa reconhecesse oficialmente a existência dos registros e apresentasse informações preliminares, o que foi confirmado por representantes do banco. A instituição admitiu possuir cerca de 15 quilômetros lineares de documentos ainda não catalogados ou digitalizados. O MPF estabeleceu que a Caixa apresentasse ações concretas de organização, digitalização e transparência do acervo. Mas o banco apresentou informações contraditórias. Primeiro afirmou ter 85 registros, depois 140, além de 173 livros contábeis. Parte desse material continua sem tratamento adequado, o que pode configurar negligência e favorecer o apagamento da memória da população negra.
O inquérito é inédito e resulta de representação do movimento Quilombo Raça e Classe (QRC), da CSP-Conlutas, baseada em pesquisas da historiadora Keila Grinberg (UniRio/Universidade de Pittsburgh). As cadernetas eram abertas para financiar a compra da liberdade de pessoas escravizadas ou de seus familiares. Os depósitos rendiam 6% a cada seis meses. Indícios apontam que muitas contas permaneceram intocadas após 1888, levantando suspeitas de retenção dos valores pela CEF, perpetuando desigualdades históricas impostas ao povo negro.
A atuação do MPF é fundamental, mas exige uma cobrança social permanente. É necessário manter a pressão para que a direção da Caixa esclareça totalmente sua participação nesse capítulo da história brasileira. A luta pela verdade e pela reparação é parte do enfrentamento contra o Estado e as instituições financeiras que lucraram com a escravidão e contribuíram para as desigualdades que ainda marcam o país.