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Safra é acusado de coação e de contratar detetive para perseguir clientes

02/03/15

A Justiça colocou no banco dos réus o superintendente de Segurança do Banco Safra. Ele é acusado de coação ao ter contratado detetive particular para perseguir clientes que têm conseguido reverter nos tribunais cobranças de dívidas baseadas em contratos assinados em branco. O investigador, que já foi indiciado por homicídio, seguiu — armado de revólver, munições, faca e algemas supostamente para “fetiche sexual” — um funcionário de uma loja de calçados em Campinas, no interior de São Paulo, em 2012.


A instituição do banqueiro mais rico do mundo, o bilionário Joseph Safra, enfrenta uma batalha judicial com os proprietários das lojas Bootco. Os desentendimentos já duram doze anos. Eles discutem cobrança sobre juros na antecipação de vendas com cartão de crédito. Na Justiça, os lojistas têm vencido o Safra e obtiveram decisões que os transformam em credores, em vez de devedores do sexto maior banco privado do país.

O juiz Guilherme Di Renzo Marrey, da 2ª Vara Criminal de Campinas, aceitou a denúncia do Ministério Público de São Paulo em dezembro passado. O promotor João Carlos de Moraes afirma que Sebastião Jesus Garozzo, superintendente de Segurança do Banco Safra, cometeu crime de coação no curso do processo, assim como o sócio da empresa Unit Consultoria Elias Ricado Alves, empresa contratada pelo banco. O funcionário da Unit Jefferson Fiúza, preso em flagrante com as armas, e que já fora indiciado por homicídio, é acusado de coação e porte ilegal de armas.

De acordo com promotor Moraes, o objetivo de Garozzo foi “espionar e amedrontar mediante perseguições” os ex-clientes, levantar informações negativas contra eles a fim de tentar “forçar acordos judiciais” já que as sentenças estavam prejudicando os negócios do banco. O superintendente de segurança percebeu “os resultados desfavoráveis nas sentenças judiciais”, de acordo com o Ministério Público. Segundo a denúncia assinada em 17 de novembro, o superintendente do Safra ajudou na “grave ameaça” ao pedir que, para essa missão, a Unit “escolhesse e encaminhasse” uma pessoa “com habilidade com armas de fogo e investigação”. Era Fiúza.

Os fatos ocorreram em 19 de novembro de 2012, quando Jefferson Fiúza saiu de São Paulo e se dirigiu a Campinas com um motorista. Eles foram detidos pela Polícia Militar depois que um funcionário das lojas Bootco, da família Gobbo, acusou-os de perseguição. Ao abordar Fiúza, os policiais encontraram um arsenal em um de seus carros. Um carregamento revólver calibre 38 com 172 cartuchos íntegros, 500 espoletas para o revólver, uma faca de 25 centímetros, uma barra de ferro de 60 centímetros com uma ponta cortante e um par de algemas, supostamente para uso em “fetiche sexual”, conforme alegaria mais tarde em depoimento à polícia.

Era a segunda vez em menos de seis meses que o dono do arsenal era preso em flagrante. Fiúza tinha sido indiciado em junho de 2012 por duplo homicídio de assaltantes em São Paulo, situação na qual ele alega ter agido em legítima defesa. Não se sabe a conclusão desse inquérito policial. Procurados pelo jornal, o Safra e a Unit preferiram o silêncio.

Fumaça
A briga da família Gobbo com o Safra começou em 2003. As lojas Bootco contrataram o crédito-fumaça do Safra, no qual poderiam antecipar as vendas com cartões de crédito, pagando uma taxa de 2% a 2,5% ao mês. Mas os negócios eram fechados com contratos em branco, considerados irregulares pelo Banco Central. E os juros eram o dobro do combinado, conforme desconfiavam os lojistas e foi confirmado pelo depoimento de uma ex-gerente. As dívidas de mais de R$ 300 mil se multiplicaram, e os empresários foram à Justiça. A quebradeira, as restrições de crédito e os R$ 400 mil gastos com advogados fizeram a empresa baixar de 60 para seis funcionários. “Eu faturava R$ 12 milhões por ano. Só temos uma loja agora e faturamos R$ 1,2 milhões”, contou ao Correio Carlos Augusto Gobbo, o Guto, um dos sócios da família e que cuida das ações judiciais contra o Safra.


É ele quem alimenta um blog que incomoda o banco. Em janeiro de 2012, a Unit havia sido contratada pelo Safra para descobrir quem distribuía “panfletos difamatórios” contra a instituição financeira. Os papéis mencionavam o blog, que retrata documentos e reportagem sobre a batalha judicial dos empresários contra a corporação de Joseph Safra. De acordo com as alegações do representante à 13ª DP de Campinas César Eduardo Beliomini, o Safra é “vítima de campanha difamatória” com o arremesso de panfletos em frente às agência e que aUnit foi contratada para descobrir o autor da panfletagem. Guto Gobbo diz que não fez e nem distribuiu os panfletos. “O banco empreendeu investigação particular por meio da empresa Unit”, admitiu Beliomini, em queixa-crime rejeitada pela Justiça e apresentada poucos dias depois da prisão de Fiúza, em dezembro de 2012. No documento, ele diz que o detetive preso descobriu que um funcionário das lojas Bootco arremessava os papéis – à polícia, o funcionário negou.

Em silêncio
Em nenhum momento, o Safra explica porque mandou um investigador particular armado seguir seus clientes. A assessoria do Safra disse ao jornal que não comentaria o caso porque ele é discutido na Justiça. A Unit também optou pelo silêncio. “Não fomos notificados e não temos conhecimento dos fatos”, chegou a alegar a empresa, em nota ao jornal. A reportagem não localizou Jefferson Fiúza, da Unit.

Para Guto, a situação pela qual sua família passa é reveladora de como age o mercado financeiro no país. “Além das mazelas da política em nosso país, o sistema financeiro também é predador”, avalia ele. “Estas ações comprovam como o Safra trata os seus clientes”, diz Guto. “É quase que impossível reunir estas provas que conseguimos demonstrando que eles nos roubaram e que, conforme a declaração da ex-gerente do banco, eles faziam com a maioria de seus clientes.”