O Senado Federal aprovou, em 09/04/2019, a PEC 061/2015 que tramita para votação na Câmara Federal como PEC 048/2019.
Esta Proposta de Emenda à Constituição estabelece que as emendas individuais impositivas apresentadas ao projeto de lei do orçamento anual da União poderão alocar recursos, a título de doação ou com finalidade de despesa definida, aos Municípios, Estados e Distrito Federal. No caso das doações, as transferências ocorrerão sem a celebração de convênio ou instrumento congênere, sem vinculação a nenhuma ação definida, dissociando a utilização de recursos federais de políticas de desenvolvimento, e sua aplicação deixará de ser fiscalizada pelos órgãos federais de controle (Controladoria Geral da União – CGU e Tribunal de Contas da União – TCU).
O mote para a PEC 061/2015 é a desburocratização dos processos para garantir celeridade na liberação dos recursos. Não há dúvidas quanto à importância da utilização dos recursos federais, de forma célere, para propiciar aos brasileiros infraestrutura, equipamentos e serviços de qualidade. Entretanto, é importante pontuar os vários aspectos envolvidos na destinação e utilização dos recursos oriundos do Orçamento Geral da União, especialmente os recursos para a execução de obras. Necessário também relembrar a evolução histórica da destinação desses recursos, explicitar a atuação da Caixa Econômica Federal e apontar alguns gargalos e desafios.
A CAIXA atua desde 1996 como Mandatária da União na celebração de contratos de repasse para transferência de recursos da União a Estados, Distrito Federal ou Municípios, conforme determinado pelo Decreto nº 1.819/96. A atuação da CAIXA como Mandatária da União decorreu de um histórico de problemas na aplicação de recursos do Orçamento da União, com ápice no escândalo conhecido como “Anões do Orçamento”, em que as emendas parlamentares eram manipuladas para desvio de dinheiro por meio de entidades fantasmas ou com a participação de empreiteiras. Assim, o Decreto nº 1.819/1996 regulamentou a transferência de recursos da União, com o objetivo de garantir a aplicação às finalidades previstas, permitindo o acompanhamento pelo órgão gestor dos recursos e garantindo o atingimento do benefício para a população. Ao longo dos anos, outros instrumentos legais aperfeiçoaram os regramentos para utilização de recursos federais, tais como o Decreto nº 6.170/2007, a Portaria Interministerial n° 424/2016 e a Instrução Normativa MP nº 02/2018.
Nos últimos 20 anos, a CAIXA acompanhou mais de 149.000 contratos de repasse de governo, garantindo que mais de R$ 137 bilhões[1] fossem aplicados nas políticas públicas que beneficiaram diretamente milhões de brasileiros. A atuação da CAIXA é reconhecida por órgãos de controle, como o TCU, que destaca:
“(...) a CAIXA possui ambiente de controle interno compatível com o sistema bancário, constituído por sistemas informatizados, controle de acessos e alçadas, além de um departamento de auditoria interna formalmente constituído e com estrutura para revisão de processos de trabalho e detecção de erros e/ou fraudes.” (Acórdão TCU 2162/2014)
“(...) da avaliação dos procedimentos atualmente adotados pela CAIXA, concluímos que sua atuação permite auxiliar o controle no que diz respeito à preservação do patrimônio púbico e combate ao desvio de finalidade na aplicação das verbas (...)”. (Acórdão TCU 1588/11)
Por outro lado, recursos que permaneceram sem o acompanhamento de um órgão mandatário continuaram aparecendo em escândalos, a exemplo da “Máfia dos Sanguessugas”, que ficou conhecida em 2006 por utilizar emendas destinadas à saúde em compras de equipamentos superfaturados; ou das denúncias de recursos públicos de emendas individuais liberados a empresas de fachada, em 2011. Além disso, a dificuldade de execução de obras também é observada na aplicação de recursos que são repassados diretamente aos municípios, como demonstrado em relatório de avaliação da execução de programa de governo para implantação de escolas para educação infantil. De acordo com esse relatório, de 8.824 obras previstas, apenas 3.482 foram concluídas, e dessas só 1.478 estavam em funcionamento. Outras 1.297 obras estavam inacabadas, com prejuízo potencial estimado em mais de R$ 800 milhões[2].
A CAIXA conta com corpo técnico qualificado presente em todo o Brasil (arquitetos, engenheiros, técnicos sociais, técnicos bancários), o que lhe permite atuar como Mandatária da União. O objetivo é assegurar que os projetos tenham viabilidade técnica e econômica e resultem em intervenções de qualidade. A CAIXA, como mandatária, deve garantir que os orçamentos das obras públicas sejam compatíveis com os preços praticados pelo mercado e que aspectos ambientais, de acessibilidade, segurança, dentre outros essenciais ao bom uso dos recursos públicos, foram observados e aprovados nos órgãos competentes. Também faz parte da atribuição da CAIXA avaliar o atendimento às regras programáticas contidas na regulamentação determinada pelos próprios Ministérios gestores. É comum a alegação de que as “regras da CAIXA” atravancam os processos, mas é bom frisar que não faz parte das atribuições da CAIXA a edição de leis, decretos ou portarias, ainda que essas normas estejam refletidas nos normativos internos para nortear o acompanhamento de termos de compromisso e contratos de repasse.
Em quaisquer das instâncias federativas, a aplicação de recursos públicos obedece a um extenso conjunto de regras, além das regras programáticas e aquelas que tratam especificamente da execução orçamentária. São normas urbanísticas, ambientais, de preservação cultural, marcos legais do saneamento e mobilidade, acessibilidade, licitações e contratos. Incidem também recomendações e acórdãos oriundos dos órgãos de controle, como as Controladorias e Tribunais de Contas.
A eliminação das mandatárias da União não tem o condão de abreviar os procedimentos e agilizar a aplicação dos recursos orçamentários. A atuação das mandatárias é, para muitos Municípios, um reforço na segurança para a correta utilização desses recursos. É sabido que muitos dos Municípios brasileiros não dispõem de equipes técnicas especializadas. Há municípios que não tem um único profissional engenheiro ou arquiteto nos seus quadros técnicos, ou nem mesmo como habitante da cidade.
A elaboração de projetos e orçamentos desponta, dessa forma, como outro enorme desafio para a utilização dos recursos, sejam eles federais, municipais, estaduais ou distritais. Defender a execução de obras sem os respectivos projetos é refutar o conhecimento técnico e sua capacidade de encontrar as melhores soluções para os problemas. As melhores obras são aquelas decorrentes de planejamento, com bons projetos e orçamentos, mesmo as obras mais singelas. Portanto, ampliar e aperfeiçoar a capacidade de elaboração de projetos dos entes públicos é tarefa das mais urgentes. A CAIXA com sua expressiva capilaridade e corpo técnico qualificado é agente fundamental para essa empreitada.
Amparados na sua vasta experiência, os profissionais da CAIXA apontam outros itens e temas que devem ser objeto de discussão pública para aprimoramentos: lei federal de licitações públicas; capacidade técnica dos Municípios, não somente na área de projetos e orçamentos, mas também relativa ao planejamento, fiscalização e controle; sistemas públicos de precificação de insumos e serviços para obras; sistemas para acompanhamento da execução orçamentária dos entes públicos, com transparência e controle social; obras executadas em conformidade com planos e aderentes a políticas públicas estruturadas.
A CAIXA alimenta sistemas de acesso livre como o Sistema de Acompanhamento de Operações do Setor Público disponível no site da CAIXA e a plataforma SICONV, atual Plataforma Mais Brasil. Por meio desses sistemas é possível ter acesso às informações relevantes das emendas, valores, andamento das obras, garantindo maior transparência às movimentações dos recursos públicos. Além disso, a CAIXA é responsável pela manutenção do SINAPI (Sistema Nacional de Preços e Índices para a Construção Civil), a maior referência pública de custos para insumos e serviços da construção civil.
Alinhada com os programas desenvolvidos pelo Governo Federal, a CAIXA como banco público tem um papel fundamental na atuação como agente de políticas de desenvolvimento urbano e rural e fornece assistência técnica aos Estados, Distrito Federal e Municípios para efetiva aplicação dos recursos.
Não se trata, por parte dos engenheiros e arquitetos da CAIXA, de mera manifestação contrária à PEC 061/2015. O que está em jogo é a adequada aplicação dos recursos públicos da União destinados aos demais entes federativos. O que está em jogo é ampliação da capacidade projetual e de execução do estado brasileiro, para dar respostas aos problemas enfrentados pela população das cidades e do campo.
Ressaltamos que defendemos o processo de melhoria contínua da gestão dos recursos públicos, de forma a atingir o equilíbrio entre a simplificação dos procedimentos e a eficiência da utilização dos recursos, sem, contudo, abrir mão de uma adequada política de desenvolvimento, com objetivos claros e transparência na atuação para toda a população.
[1] Dados disponíveis no site da CAIXA, através do link: https://webp.caixa.gov.br/urbanizacao/susao/pag/lista_contrato.asp?Id=1